Tendo examinado atentamente a réplica-chilique de Ronald Robson, um leitor concordou com ele quanto ao fato de eu ser desatenta, e recriminou-me por não ter posto em minha resenha os seguintes trechos do livro reproduzidos na réplica:
“extensos períodos de apatia e inatividade podem ser constitutivos da prática intelectual”
É questionável se, em algum momento da História, alguém já deu uma justificativa tão pedante para a preguiça. Estou sem fazer nada porque estou com preguiça? Jamais. Você tem preguiça; eu compro livros e pago por cursos online para poder dizer que tenho períodos de inatividade constitutivos da prática intelectual.
“Sob o signo de Saturno, acama-se o intelectual, como acamou-se por anos Max Weber, julgando tudo o que produzira um quase nada”
Aqui aprendemos que Max Weber era regido pelos astros. Assim sendo, peço desculpas aos leitores por ter feito uma resenha tão séria quanto possível, em vez de oferecer-lhes oportunidade para gargalhadas. Em minha defesa, digo que achei a parte da exaltação dos músculos de Mishima suficiente.
Mas foquemos nos astros. Na réplica-chilique, lemos que
“fica[…] clara a distinção preliminar entre 1) os sistemas astrológicos historicamente existentes […] e 2) os possíveis [sic] fatos para os quais esses sistemas oferecem uma possível compreensão.”
Vamos ser generosos considerar que “possíveis fatos” significa “possibilidades”, já que se algo é um fato, é um fato e pronto. Todo fato é possível; se fosse impossível, não seria fato. E tudo aquilo que é possível, mas não é fato, é possibilidade. Pois bem: existem os fatos, e os sistemas astrológicos podem explicar os fatos. Mas não podem prevê-los, porque a Igreja não deixa:
Uma terceira distinção seria, para além dessas, e independentemente da convergência daqueles sistemas simbólicos com alguma efetiva influência dos astros sobre os seres humanos, 3) o uso que se fará deste ou daquele sistema – e, entre esses usos, há um clara e repetidamente condenado pela Igreja: a divinação.
Então ficamos assim: a astrologia explica, mas não prevê. Como será possível dizer que uma explicação é uma explicação, se não é capaz de previsão? Se você explicar que o tomate está caro porque uma praga dizimou as plantações, você está afirmando um nexo causal. Em princípio, toda vez que houver uma praga dizimando plantações de tomates, o tomate ficará caro. Como funciona isso de afirmar um nexo causal que só explica, mas não prevê? Weber estava sob o signo de Saturno e estava deprimido. Ele estava deprimido porque estava sob o signo de Saturno? Então todo aquele que estiver sob o signo de Saturno terá uma razão para estar deprimido. Não sei se existe um planeta que, posicionado em local estratégico, deixa desdeprimida a vítima de Saturno, mas vocês entenderam: se os signos explicam, então os signos preveem. E os signos têm uma brutal diferença em relação ao preço do tomate: não há como prever com certeza matemática as pragas e as boas safras, mas dá pra prever e até “pós-ver” por centenas de anos as posições dos astros. Se fosse séria, a astrologia seria seríssima!
Robson fala também de estudar astrologia ao estilo de S. Alberto Magno. Vejam bem: eu já sabia que o expediente mais usual entre olavetes para vender astrologia como compatível com o catolicismo é deturpar S. Agostinho e S. Tomás. No entanto, vasculhando blogue Prometheo Liberto de Carlos Velasco, pude encontrar referência para esta postagem, de quase 10 anos de idade, de outro blogue. Aí aprendemos que Luiz Gonzaga de Carvalho, vulgo Gugu, usa S. Alberto Magno com o mesmíssimo fito no ICLS.
Será a mesma coisa? Eu só descobriria como é a aula de Robson se eu pagasse uma assinatura. Os pagantes podem comparar à aula de Gugu e dizer. Se você é um pagante e está aqui lendo, aproveito para mostrar que o segredo que caracteriza esse tipo de curso é ideal para enganar trouxa.
Só olavete paga para tomar aulas com Robson. Quem paga para tomar aulas com Robson provavelmente não paga para tomar aulas ao mesmo tempo com Salisbúria (outro que estava na internet citando S. Tomás com esse fito, apanhou e fechou o Twitter), e não teve tempo de pagar para tomar aulas com Gugu. Se for o caso de Robson, Salisbúria e outras figuras da mesma geração repetirem o que Gugu dizia há dez anos, e Gugu repetir o que Olavo dizia há décadas, como é que você, pagante de um só, vai descobrir? Pior: se eles estiverem errados, como é que você vai descobrir, preso num labirinto de espelhos?
Robson questiona as minhas intenções. Amo o meu país e, embora não seja religiosa, reconheço que o Brasil só não é uma latrina eugenista como os EUA e os países nórdicos por causa da sua formação católica. Como amo o meu país, quero suas instituições formadoras saudáveis e fortes. Isso inclui o Exército, coisa que Olavo abominava e se empenhou em destruir. Não preciso de “lugar de fala” para defender a igreja.
Não faço segredo da minha irreligiosidade e meus escritos não são secretos. No máximo têm uma paywall normal de jornal que meio mundo sabe derrubar. Já os olavetes não raro fazem segredo quanto à própria religião, e a valsa de Olavo entre o catolicismo e o islamismo já é para lá de esquisita. O bufê religioso oferecido pelo ICLS (e que também era oferecido por Olavo antigamente, tanto que tem olavete das antigas muçulmano, com Ricardo Almeida) também é esquisito. Que tipo de religioso acredita que religião é opcional? Relativismo e fé são incompatíveis.
Quanto à pergunta pela cumplicidade, é simples: ela está dentro do direito à liberdade de expressão. Está no meu direito dizer que o Dr. Abdelmassih é um excelente médico e recomendá-lo a todas as minhas amigas. As minhas amigas têm acesso a jornal e podem se inteirar do que aconteceu, mas fazer tal recomendação diria algo sobre o meu caráter. Robson pode dizer que Gugu é sério e excelente professor, ainda que tenha recebido a PF em sua residência no Paraguai para resgatar uma moça com problemas mentais que havia cortado contato com a própria família e mudado de religião para se tornar sua cunhada poligâmica.
Abdelmassih deve ser um médico habilidoso, apesar de tudo. Se Gugu fosse um “professor” reconhecido como tal fora da bolha olavete, poderíamos até achar que há alguma possibilidade de ele ser, de fato, bom professor apesar de tudo. Esse não é o caso. Tudo aí é trololó.
O texto é uma grande petição de princípio. Bruna presume que Ronald é um defensor intransigente da astrologia, quando na verdade seu interesse por ela é apenas circunstancial. De resto, não há chilique algum na réplica; ele apenas demonstrou, com paciência de monge, que o conhecimento da Bruna sobre o assunto é inferior ao de um almanaque, e que o tal rigor acadêmico que ela tanto exalta está completamente ausente na resenha que escreveu.
Ronald Robson falando dos marketeiros da direita é tipo o peixe criticando a água em que nada