Sette-Câmara e o Evangelho segundo o Maníaco do Parque
Como assim todos têm inveja de tarado?
Esta plataforma me recomendou um texto de Sette-Câmara sobre a “bolha católica”, ou seja, a bolha pseudocatólica olavete da internet, a qual passou por uma série de escândalos sexuais. Movida por instintos leoninos-lupinos (isto é, de Leão Lobo), cliquei para ler. E começou com uma reflexão interessante sobre como as gerações mais novas que vivem no Instagram não distinguem marketing de não-marketing. É uma reflexão que vi ser feita antes com muita propriedade por uma canadense de direita nascida em 1995 que largou tudo para virar “tradwife” e virou vítima de um marido vilão caricatural. Ela via as coisas de bolha no Instagram que achava que era tudo verdade. Ver as coisas no Instagram é diferente de ver as coisas na TV com a família: no Instagram, cada um vê uma coisa, e ninguém tem senso crítico. Há uma falsa sensação de proximidade.
Sette-Câmara começou por aí. E, para minha surpresa, voltou para o seu argumentum ad Valeskam Popozudam, segundo o qual tudo é inveja da zinimiga. Mas ele disfarça sua filosofia de para-choque de caminhão usando o nome de Girard.
Então ficamos assim: existe um tal Dotô Nudiani que vende superação do vício em pornografia e, “quando uma mulher o procurava, ele a assediava, pedia fotos dela nua, e fazia chantagens. Uma estratégia «terapêutica» digna de desenho animado: se não pode vencer a pornografia, produza pornografia você também.” E qual a conclusão de Sette-Câmara? Que o Dotô Nudiani, coitado, é um bode-expiatório:
O terapeuta — vamos chamá-lo de Dotô Nudiani — pode ser realmente culpado (afinal, ele assumiu), mas isso não impede que ele seja um bode expiatório. De repente, a questão passa a ser: quem está condenando o Dotô Nudiani? Quem está «passando pano»? Qual é o mal que isso revela?
O terapeuta tarado foi exposto e, como é natural, gerou uma onda de rechaços. No entanto, Sette-Câmara resolve problematizar essa reação naturalíssima. E haja problematização:
Quando alguém comete um abuso escancarado, como o Dotô Nudiani, é como se a caça às bruxas fosse oficialmente liberada. Toda a inveja, todo o nojo, agora pode legitimamente se dirigir contra Nudiani & Cia, isto é, Nudiani e aqueles que o defenderam, os que ficaram calados, os que pecaram por pensamentos e palavras, atos e omissões.
Vejam que com isso, até — antes que me persigam — não estou negando a veracidade das acusações, nem a estrutura maligna dos abusos, que é a estrutura do double bind. Estou falando de outra coisa: a bolha católica, por ser uma bolha (e não por ser «católica»), na verdade devia sua unidade à rejeição do mundo, do progressismo, do pecadismo, etc. Podemos falar de Cristo, anjos, teologia, mas na verdade somos movidos por um ressentimento contra o mundo. Isso fica evidente assim que surge o dever moral de atirar a primeira pedra contra alguém.
As ênfases são minhas. Por que alguém tem inveja de tarado? E vejam bem: o tal cara se desculpou? Foi punido pela Justiça? Até que haja alguma punição e/ou alguma tentativa de remissão, atirar pedra em tarado é uma ação justa e necessária.
Uma coisa que sempre me chamou a atenção nos olavetes em geral é que eles presumem que todo o mundo é movido por inveja. Sette-Câmara literalmente vive de falar isso. Ora, eu não acredito que todo o mundo seja movido por inveja. Assim, se alguém vive de explicar o mundo e o comportamento alheio com base nisso, a única coisa que posso concluir é: ele e sua audiência é que são movidos por inveja. Só isso explica o fato de essa explicação lhes parecer plausível. O tal do “desejo mimético” do qual eles tanto gostam de falar só serve para explicar a si próprios.
No caso de Sette-Câmara, a coisa fica tanto mais complicada quanto mais comprometedor o objeto do desejo mimético. Como assim nós invejamos um taradão? O que o nosso desejo mimético deseja imitar? E ele vai por aí mesmo:
você pode até se perguntar se você mesmo não desempenharia algum daqueles papéis. O abuso emocional e sexual cometido por homens de prestígio não é de uma banalidade absoluta? Por que você seria diferente? (Afinal, chegou a hora de provar que você não se julga um floquinho de neve. Admita: eu usaria o meu prestígio.) Ou ainda: numa posição vulnerável, você também não cederia algo da sua intimidade? Você nunca nem contou um segredo a uma pessoa que te deu um pouco de atenção?
É um malabarismo formidável: num passo, taradão e vítima são igualados em sua condição vergonhosa, e todos, todos têm de admitir — sob pena de ser um floquinho de neve! — que usariam o próprio prestígio para assediar pessoas vulneráveis. A pessoa praticamente confessa que tem desejos de taradão e quer que todo o mundo o abrace e confesse o mesmo.
O que Sette-Câmara faz é perverter o legado civilizacional do cristianismo (o “atire a primeira pedra”) para normalizar a maldade, usando um argumento mequetrefe para culpar quem fica indignado.
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Diante da minha pasmaceira com o fato de tudo virar Girard para Sette-Câmara, fui pedir maiores informações a um conhecedor da bolha, que me explicou que ele fala de filmes e séries, gostando até de uma tal Euphoria que é muito ruim. Lá fui eu olhar o texto.
Talvez o leitor pense: apenas mais um caso de Maria Vai com as Outras. Nada mais adolescente. Além disso, alguma Maria Vai com as Outras admitirá (inclusive para si mesma!) ser uma Maria Vai com as Outras? Claro que não. Ela vai achar que é original, única, que apenas deseja o que é realmente desejável.
Ou seja, para Sette-Câmara, todo o mundo se acha especial, mas é, secretamente, uma maria-vai-com-as-outras. Será que não é ele que é maria-vai-com-as-outras e quer que todo o mundo se sinta assim também? O olavismo (cuja caracterização eu dei este mês na SCF) fisgou sobretudo jovens que se achavam especiais, mas eram maria-vai-com-as-outras. Sette-Câmara afirma ser doutor em Letras e ter 47 anos, mas as referências dele não vão além das de um adolescente matriculado no COF.
Last, but not least, não posso deixar de apontar que a equivalência entre vítima e criminoso, olhando para dois textos, parece ser uma constante. Afinal, o caso descrito acima é o de uma menor de idade gordinha que ganha dinheiro como uma dominatrix com máscara de gatinha na internet. E ele continua:
A Kat de Euphoria, por outro lado, não pode admitir para si que inicia a vida sexual apenas para provar que é uma verdadeira vadia e poder igualar-se às amigas. Não pode contar para ninguém que é uma dominatrix virtual porque, sendo menor de idade, está cometendo um crime.
Ela não está cometendo um crime. Quem está cometendo um crime é a clientela.
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Se você é um jovem confuso que assina Sette-Câmara, sugiro que deixe de fazê-lo e ocupe melhor o seu tempo e o seu dinheiro. Não deixe ninguém te convencer de que é igual a um tarado.
É curioso como, em um texto curto, você conseguiu demonstrar que não entendeu o que o Pedro escreveu, nem o pensamento de Girard ou a teoria mimética. Vou além: parece que você não entendeu nem seu próprio texto, já que reflete exatamente o mecanismo que o Pedro descreveu.
No texto dele, a palavra “inveja” aparece uma única vez e apenas para ilustrar a reação da bolha contra o rapaz do “Dotô Nudiani”. Quando você pergunta “como assim todos têm inveja de tarado?”, fica claro que não entendeu o ponto central do texto: a explicação de como um novo grupo se formou a partir da oportunidade de apedrejar o assediador. Ele não justifica as atitudes do Nudiani, nem diz que todos têm inveja de um assediador; ele apenas mostra como as “bolhas católicas” do Instagram se constroem em um ciclo de ódio direcionado a um bode expiatório.
Quando você vem aqui, indignada e criticando os “olavetes”, na verdade, acaba confirmando o ponto dele: as bolhas da internet tendem a se formar a partir da raiva direcionada a um bode expiatório. Como Girard explica em "Mentira Romântica, Verdade Romanesca", "o que mantinha os salons realmente unidos era a rivalidade com outros salons". Sua bolha só se mantém unida enquanto a bolha "olavete" existir. Se algum dia você sair da linha e disser algo que sua própria bolha critique, provavelmente vai aparecer uma moça, vamos chamá-la de Fruna Brascolla, pra criticar o que você escreveu e formar, em torno do ódio direcionado a você, a bolha dela. Não é assim que essas bolhas católicas acabam se formando? Onde, exatamente, isso coloca o Nudiani como vítima ou sugere que todos têm inveja de um assediador?
Se você tivesse lido o texto com o genuíno intuito de compreendê-lo, entenderia o que ele escreveu. Na verdade, veria que o texto é uma das críticas mais inteligentes à própria bolha católica do Instagram.
Como ele mesmo escreveu: "Primeiro, se você percebe o mecanismo nos outros mas não o percebe em si mesmo, não vai dar nem para começar.
Segundo, se você percebe o mecanismo em si mesmo, então você já começou a relativizar suas sacrossantas opiniões. Você pode abdicar de acusar. Você sabe que dentro de você está um apedrejador, que no episódio da mulher adúltera você não é nem a prostituta nem Jesus, mas um dos apedrejadores."
No mais, veja como eu mesmo me encaixo na própria crítica dele à bolha.
Sinto dizer, mas esse texto foi bem burrinho. Você não entendeu nada do que o Pedro disse, nem da teoria mimética. Se são pessoas com o seu nível de inteligência que hoje escrevem "análises do olavismo" para a esquerda, a vitória já é nossa haha.