O olavismo faz autocrítica, mas deixa o mais grave de fora
Resenha de "Contra a vida intelectual", de Ronald Robson
Gerou frisson no meio olavete a publicação de Contra a vida intelectual (Kírion, 2024), do literato maranhense Ronald Robson. O pano de fundo é o seguinte: em 2009, Olavo de Carvalho lançou o Curso Online de Filosofia, o COF, prometendo formar a nova elite intelectual do Brasil. O pretensioso curso deveria durar apenas 5 anos. Durou até a morte de Olavo, e hoje é vendido numa plataforma que recomenda Ronald Robson como legítimo intérprete da sua filosofia.
Passados quinze anos, onde está a elite intelectual formada pelo Mestre Olavo? Os olavetes penitenciam-se dizendo que nenhum aluno esteve realmente a Sua altura. Olavo é sempre muito bom; todas as aparentes falhas são sempre atribuídas a terceiros. De todo modo, admitem que, em vez de uma elite, o que Olavo formou foi sobretudo uma turba de influencers que vende curso online, mais uma meia dúzia de literatos que têm seu valor, mas não se revelaram gênios à altura de Machado de Assis ou Gilberto Freyre. E mais: tais literatos fizeram uma universidade pública ou particular de elite. Assim fica difícil dizer que a universidade é um antro de degenerados e só por meio de cursos online se pode alcançar a “alta cultura”…
A minha resposta para o enigma que tanto intriga os olavetes é muito simples: o COF nunca foi um projeto de formação de nova intelectualidade brasileira; o COF era um produto análogo às quinquilharias que prometem o aumento do pênis ou a redução da pança sem dieta nem exercícios. Era um anúncio de “aumente o seu intelecto”. Não precisa fazer faculdade, é só ficar escutando um senhor simpático tagarelar.
O público-alvo do COF era o de jovens que ansiavam por serem grandes intelectuais, mas eram ingênuos o bastante para crer que um curso de 5 anos, dado por um jornalista sem diploma e ex-dono de uma escola de astrologia, resolveria o problema. Como o intelecto, ao contrário das partes do corpo humano, não tem um tamanho fácil de ser mensurado, os alunos do COF podiam ter uma cumplicidade entre si, jurando uns para os outros que eles eram todos muito grandes. Ademais, suas ansiedades podiam ser geridas pelo Mestre quando vivo. Morto Olavo, a festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou. E agora?
Agora, como eu ia dizendo, o os olavetes aclamam o opúsculo de Ronald Robson, mestre em Letras pela UFRJ, que critica veementemente a subcultura dos coaches que vendem cursos no Instagram com temática olavete, e se empenha em mostrar que eles não aprenderam direito os ensinamentos do Mestre. Após a exposição, ele passa a uma espécie de autoajuda para aspirantes a intelectuais. Acontece que nada disso convence – e ainda elogia gente que é caso de polícia.
O autor reconhece a relação dessa subcultura coach com Olavo de Carvalho. Logo no começo, afirma:
a voga online de educação (ou autoeducação), que permitiu a disseminação política de direita, acabou por acrescentar novos males aos já conhecidos malefícios da educação oficial brasileira e dos meios culturais de prestígio dominados pela esquerda (p. 13).
De fato, em vez de o COF salvar a cultura nacional, acrescentou novos problemas sem resolver os antigos. Continuando:
Entre esses novos males se contam a confusão de educação com doutrinação conservadora, autoridade intelectual com riqueza financeira, e a substituição da produção intelectual pela louvaminhice dos “clássicos”, e por aí vai, tudo conjugado aos mais antigos – e aos mais novos, porque algorítmicos – meios de autopromoção e promoção de uma súcia de empreendedores virtuais (p. 13-4).
O fato de alguém achar que vai ficar rico porque aprendeu filosofia me surpreendeu. Mas não deveria, pois Olavo ensinou aos seus alunos no COF que ficar milionário é mais fácil do que ter uma vida estável. Quem não acredita, clique aqui. De todo modo, nessa lista de males faz falta de um item bem importante entre os malefícios do olavismo: a promoção da astrologia como uma ciência respeitável e catolicíssima, avalizada por S. Agostinho e S. Tomás de Aquino. Quem não acredita que Olavo fizesse isso, clique aqui e ouça.
Olavo causou um tremendo estrago na cultura brasileira ao perverter o catolicismo em particular e o cristianismo de modo geral, fazendo com que astrólogos da sua seita tivessem, para seus adeptos, mais autoridade do que qualquer instituição sólida. Dado que a religiosidade faz parte da vida cultural, não é razoável deixá-la de fora numa análise da vida cultural. Só um ateu da ATEA negaria a importância social de uma religiosidade sã.
Além disso, já no prólogo Robson deixa claro que pretende resolver o problema à luz da embromation de Olavo. Não se trata de dizer que os tais coaches estão errados e não oferecem formação adequada (coisa que boas universidades fazem), mas sim de tratar da unidade do eu e outros trololós:
A incompreensão ou mistificação da vida intelectual que ataco é […] uma crise de inconsciência, uma incapacidade crônica de sequer aspirar à naturalidade, à espontaneidade educada. Está em jogo […] o problema da genuína personalidade, ainda que bem lá no fundo – o problema de ser quem se é (p. 16).
Ele aponta para “os desafios da consecução da naturalidade e de construção de uma personalidade autêntica” (p. 16), seja lá o que isso for.
Essa é uma explicação muito peculiar, e que tem tudo a ver com o público-alvo do COF. Afinal, quem costuma sofrer por causa da formação da sua identidade? Na nossa sociedade, o adolescente. O adolescente é quem padece tentando definir quem ele é e o que vai fazer da vida, já que não vivemos num mundo tradicional em que os meninos simplesmente imitam os pais e as meninas as mães. Todo adolescente, pelo menos na classe média, é chamado a apresentar um rascunho biográfico prévio. No caso daqueles jovens que têm inclinação para as letras, a imagem do gênio literário pode se tornar uma verdadeira assombração, já que médicos e advogados não se enxergam como potenciais colegas de Galeno e Cícero. Os escritores que vivem hoje têm a possibilidade real de constarem em compêndios de literatura universal junto com Camões e Homero. Situação similar é a do cientista e a do artista plástico, mas não da esmagadora maioria das profissões de classe média.
Se o livro de Robson fosse um infanto-juvenil, seria muito bem vinda a sua iniciativa de ajudar adolescentes a aplacarem a sua ansiedade diante da magnitude de suas escolhas. Mas não. É uma obra que trata das ansiedades atuais do próprio autor, e coloca-as como normais em todo homem de letras. Daí depreendo que os olavetes vivem em suspense, numa eterna adolescência, tentando descobrir quem são ou como será a sua biografia.
E seus conselhos surpreendem negativamente. Não vou falar da exaltação dos músculos de Yukio Mishima e do “Sol que deveria cair sobre sua tez suada para marcá-lo como membro de outra raça” (cf. p. 190-1). Bom, o ícone máximo do artista consumado por ele apresentado era um atlético homossexual fascista que se suicidou com um performático seppuku. Ele também faz a salutar recomendação aos iniciantes de tomar cuidado para não ser pedante e até parece se esforçar para segui-la. Mas não consegue. O maior exemplo é que na primeira frase do livro, ele diz: “Este livrinho é um panfleto”. Justo, acho necessário fazer panfletos que denunciem problemas, e este texto não deixa de ser panfletário. Ninguém precisa tentar fazer uma obra de gênio o tempo inteiro. Três páginas depois, contudo, afirma que “nenhum texto da parte V deve ser interpretado isoladamente” (p. 16). Um panfleto demanda exegese??
O pior de todos os conselhos aparece sem maiores explicações:
O gênio (todo intelectual, se sério, quer ser gênio, e torna-se gênio quem de fato o quer e leva a vontade às últimas consequências) define-se entre outras coisas por não compreender o erro intelectual senão como erro moral (p. 128).
Ou seja, basta querer ser gênio para se tornar gênio; e se você não é um gênio, é porque não quis direito. Talvez um coach, pastor trambiqueiro, astrólogo ou outro tipo de feiticeiro resolva o problema. Isto é New Thought: a ideia inventada pelo charlatão Phineas Quimby nos EUA do XIX de que nós podemos mudar o mundo com a força da nossa mente. Como diz a Xuxa, “tudo pode ser/ se quiser ser, será / […] tudo o que eu quiser/ o cara lá de cima vai me dar”. O New Thought apareceu primeiro como pseudociência capaz de curar doenças e, em vez de acabar quando desmascarado, metamorfoseou-se. Espalhou-se por igrejas caça-níquel, autoajuda, esoterismo e cultura pop.
Lendo essa extravagante ideia, fui pesquisar os vídeos de autoajuda publicados por canais olavetes para ver se Olavo defendia New Thought no COF. A resposta é um grande sim, como se pode constatar clicando aqui ou aqui. Ele defende a eficácia da “lei da atração” (aquela de O Segredo, de Rhonda Byrne) e mete Deus no meio, além de um papo maluco de unidade do eu – daí se entende de onde vem o trololó de Ronald Robson.
E quanto à turma que acredita em “astrologia tradicional” avalizada por santos? Robson assim os descreve:
São esses jovens que passam a adotar uma conduta atípica: interessam-se por magia, astrologia, ciências tradicionais [leia-se: alquimia], vendo em tudo isso o objeto de estudo mais alto a que poderiam aspirar e a que realidade circundante não lhes faculta o acesso […]. Começam a escrever de maneira alambicada […] para assim sinalizar sua pertença a uma confraria de revoltados contra o mundo moderno e a pedagogia liberal que, em grande medida, está por trás dos ideais formativos de quem se dedica a propagar a “vida intelectual” (p. 89-90).
De minha parte, vejo nisso uma combinação de rebeldia juvenil com Harry Potter. O pessoal quer ser um bruxinho rebelde com a estética meio gótica de Hogwarts para épater les bourgeois gauchistes e encontra gente disposta a ganhar dinheiro com isso, seja na forma da venda de cursos, de objetos de devoção católica (cuja estética costuma ser superior à protestante), de edições bonitas de livros religiosos…
Acontece que isso pode terminar muito mal, como mostrou a recente série de escândalos do ICLS (o curso esotérico dos filhos de Olavo), que começou com uma moça sendo resgatada pela PF no Paraguai, na casa de Luís Gonzaga de Carvalho, vulgo Gugu. Em 2018 ela era uma garota de 13 anos que assistia às lives de Olavo; maior de idade, e com problemas psicológicos, rompeu relações com os pais e fugiu para se tornar a quarta esposa de Tales de Carvalho. Por causa da sua maioridade, os pais penaram para conseguir recuperá-la. Ela foi influenciada quando ainda era menor, com a privacidade que a internet dá. O caso estourou em março, o livro de Robson saiu em maio.
Robson menciona Luiz Gonzaga e o ICSL? Sim. Descritos os bruxinhos, puxa uma nota de rodapé e explica:
A descrição se aplica a muitos alunos do Instituto Cultural Lux et Sapientia (icls.com.br), a despeito da seriedade de professores como Luiz Gonzaga de Carvalho Neto e Marcos Vinícius Monteiro [o astrólogo do instituto].
Quem escreve uma coisa dessas é, moralmente, cúmplice. E cada resenhista versado em olavismo que elogiou o livro e deixou passar esse absurdo é um cúmplice moral também.
A Igreja católica e as igrejas protestantes históricas, que gozam de sólida institucionalidade, fariam bem em se precaver contra essa malta gurus virtuais que parasitam suas instituições e se alimentam dos seus rebanhos. O inimigo é de difícil visibilidade porque a internet segmentou muito o público; há gente que tem dezenas de milhares de seguidores apaixonados, mas pode andar despercebida na rua. Apesar de interagir com olavetes há uns 15 anos (eles costumam fazer Letras ou Filosofia, que foi o meu curso), só ano passado descobri que eles acreditam numa coisa chamada “astrologia horária”, e só mês passado descobri que o serviço pode custar 150 reais. O cliente paga para um astrólogo ler o mapa astral de uma conjuntura e analisá-la. Como a data de nascimento é uma só, mas as conjunturas são várias, tem-se aí um escravo financeiro, que fica pedindo mais e mais horárias a cada crise de ansiedade.
Se você é um olavete e está aqui, ponha à prova a sua “honestidade intelectual”, da qual vocês tanto falam, e pergunte ao seu padre ou ao seu pastor o que ele acha da astrologia e dos malabarismos que Olavo criou para compatibilizá-la com a sua religião.
Por fim, não posso deixar de notar que as críticas à Nova Direita como fenômeno aparentado do neopentecostalismo e do identitarismo, feitas por Robson no livro, têm um precedente. Eu fiz isso em 1º de junho de 2023 na Gazeta do Povo, em artigo intitulado “Sou de direita, me dê dinheiro!”. É uma pena que Robson não tenha ido além, pois tem muito mais conhecimento desse meio do que eu.
É muito prazer ler esse texto, e mais prazer ainda ver o canavial de lágrimas subsequente kkkkk
Deixa eu ver se entendi: O Olavo causou um estrago enorme na cultura brasileira por nos mostrar o valor e importância histórica que tem a igreja católica, fazendo assim com que, vejam que crime, muitas pessoas se convertessem e buscassem adquirir virtudes! que grande estrago, e se duvidas da astrologia como uma “ciência séria” quais são seus argumentos contra ela?