Prezado deputado Filipe Barros,
O senhor tem representado um despertar da direita brasileira para os problemas do liberalismo. Se nos anos 2010 ser de direita era ser um apologista acrítico dos Estados Unidos e um entusiasta da Escola Austríaca, o mandato do senhor foi exemplar ao exigir esclarecimentos sobre a construção de uma embaixada-Bunker dos EUA no Brasil, ao cobrar esclarecimentos sobre a ingerência da USAID e, em especial, ao propor o PL das ONGs. No entanto, vejo um retrocesso gritante e inexplicável ao querer alinhar o Brasil com os interesses de Israel, pintando Lula e o PT como grandes defensores da causa palestina.
Eu tenho uma pergunta: por onde o senhor se informa? Não preciso ouvir a resposta; gostaria só que o senhor meditasse sobre o assunto. Quando estourou a guerra, eu, por trabalhar como colunista de opinião, entendi que era minha obrigação me informar direito sobre o assunto. A obrigação de um político não é menor.
Para a minha surpresa, a origem da questão palestina é muito simples: em 1948, paramilitares judeus socialistas, recém-armados por Stálin, enfrentaram uma população camponesa pouco armada e a expulsaram de suas casas. Foram 700 mil palestinos, o que era metade da população. Enquanto os judeus estavam armados até os dentes, os árabes estavam sem acesso a armamentos modernos, pois a Europa Ocidental havia suspendido as vendas para eles. O exército da Jordânia protegeu a Cisjordânia e o do Egito protegeu a Faixa de Gaza, por isso não foram varridas do mapa. Boa parte desses 700 mil desabrigados refugiu-se aí. Gaza, ao menos em 2023, tinha uma densidade populacional superior à de Tóquio. (Parece moralmente aceitável atirar um míssil em num edifício residencial Tóquio, alegando que os japoneses são escudos humanos postos lá por um grupo terrorista?)
Isso que descrevi acima é fato histórico. Os acadêmicos antissionistas dizem que isso é limpeza étnica e os acadêmicos sionistas dão tratos à bola para dizer que isso era normal e, portanto, não se tratou de um crime contra a humanidade. Tenho à mão três artigos sobre isso. Modéstia à parte, fiz na Gazeta do Povo um bom resumo de A limpeza étnica da Palestina, do historiador Ilan Pappé. A esse resumo seguiu-se um texto de um jornalista israelense cheio de ataques à pessoa de Ilan Pappé e eu respondi. Eis os três artigos com os respectivos links:
A limpeza étnica da Palestina: Uma história e um livro ignorados [https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/bruna-frascolla/a-limpeza-etnica-da-palestina-uma-historia-e-um-livro-ignorados/]
As mentiras de Ilan Pappe sobre Israel [https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/mentiras-ilan-pappe-israel/]
Detrator de Ilan Pappé relativiza limpeza étnica [https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/bruna-frascolla/detrator-de-ilan-pappe-relativiza-limpeza-etnica/]
Mas eu prefiro dar dicas de livros. São os seguintes:
PAPPÉ, Ilan. A limpeza étnica da Palestina. São Paulo: Sundermann, 2006. (Pode-se contrapor a algum livro de Benny Morris sobre a “Independência de Israel”.)
FINKELSTEIN, Norman. A indústria do Holocausto. Rio de Janeiro: Record, 2001. (Tornou-se raridade bibliográfica e é mais fácil de achar em inglês.)
LOEWENSTEIN, Antony. Laboratório Palestina. São Paulo: Elefante, 2024.
Nenhum livro desses é um tijolo. A Pappé, que é antissionista, sugeri uma contraposição de Benny Morris, que é hoje o historiador oficial de Israel. Nem ele nega o deslocamento forçado dos palestinos. Mas uma coisa muito interessante que consta na história de Pappé é a criação de reservas ambientais para expulsar população nativa. Aquilo de que os brasileiros na Amazônia sofrem — a derrubada de suas casas para dar lugar a um espaço ambiental sem gente — foi sofrido primeiro pelos palestinos. Lá, os sionistas chegaram a plantar florestas de pinheiros europeus sobre as vilas destruídas. E os palestinos não podem retomar suas propriedades porque os bosques artificiais são parques ambientais.
A leitura de A indústria do Holocausto é essencial para um parlamentar que atua contra as ONGs. O senhor certamente sabe que, se um negro morrer em Pernambuco ou na Bahia, a Educafro pode processar (o Estado, empresas, particulares) para conseguir indenizações milionárias a título de dano coletivo e embolsá-la lá em São Paulo. Quem inventou esse modelo não foi o Brasil. E a indústria denunciada por Finkelstein extorquiu países pobres (como a Polônia) e impôs seu conteúdo no currículo escolar. Esse livro também é bom para se ter uma ideia do lobby sionista contra países estrangeiros. No presente momento, seu colega Pazuello desmoraliza o discurso pró liberdade de expressão do bolsonarismo incluindo a definição do IHRA de antissemitismo. Nos EUA, há liberdade para queimar a bandeira do próprio país e criticar o próprio país. Mas se fizerem isso com um certo país estrangeiro, as sanções são certas.
Por fim, a recomendação de Laboratório Palestina se deve à questão da vigilância chinesa. Israel é um tremendo Estado espião que monitora os próprios cidadãos — inclusive, vende sua tecnologia para a China. É hipocrisia ou estupidez os brasileiros de direita recriminarem a China e irem para feiras israelenses comprar tecnologias similares.
A CONIB despreza o bolsonarismo
A outra coisa que me salta aos olhos é que a CONIB não faz as escolhas mais consistentes com o bolsonarismo. Seu presidente, Cláudio Lottemberg, cita Sílvio Almeida como referência intelectual. Cito o seu artigo “O compromisso do Brasil em recordar o Holocausto”, para a Gazeta do Povo:
“Transmitimos e lidamos com o Holocausto como uma ferramenta educativa poderosa para trabalhar temas atuais e relevantes, sendo um deles o racismo – que, como já destacou o ministro Silvio Almeida, não é só um ato, e sim um processo. Combatê-los é uma necessidade diária e inerente a todos nós, e uma das formas, além de ações jurídicas e pedagógicas, é criar pontes e canais de diálogo com a sociedade brasileira. A importância de relembrar está na conexão que fazemos do passado com o presente e o futuro. Por isso, falar sobre o Holocausto precisa estar ligado às narrativas sobre o racismo, sobre a violência contra a mulher, a LGBTQIAP+fobia, a intolerância religiosa, a xenofobia, o capacitismo, o acolhimento a refugiados e, obviamente, sobre o antissemitismo.”
Será que não faz sentido ver o sionismo organizado como um grupo que promove a censura politicamente correta? A direita bolsonarista e até olavete cansou de denunciar a importância de Luciano Ayan (pseudônimo de Carlos Augusto de Moraes Afonso) e sua turma na criação do Inquérito do Fim do Mundo, originada da CPMI das Fake News. A mesma jornalista que fez uma live junto com Ayan adulando Angelo Coronel, presidente da CPMI, tem proximidade com a CONIB.
Em 2022, a CONIB fez um ato de repúdio a uma fala de Bolsonaro. Veja aqui: https://www.conib.org.br/noticias/todas-as-noticias/conib-participa-de-ato-no-rio-em-repudio-a-fala-de-bolsonaro.html
Ano passado, a CONIB organizou um jantar para futuros presidenciáveis e excluiu os Bolsonaro. Voilà: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2024/11/24/confederacao-israelita-flerta-com-direita-futuro-presidente-esta-aqui.htm
Infelizmente, a direita brasileira dos anos 2010 recebeu também o pacote do sionismo, mas sequer esboçou uma crítica. Toda essa adulação de Israel por parte do bolsonarismo não valeu, até onde eu saiba, nem uma notinha de apoio. Nada de nada.
Chega disso, né? Ficar numa saia justa entre a moralidade e os interesses nacionais é compreensível. Mas apoio gratuito e irrefletido é complicado.
Cordialmente,
Bruna Frascolla
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Para ilustrar, uma foto de um soldado gay espalhando amor em Gaza.
Bruna,
Como descendente de Pai Palestino e ativista por anos desta causa quero agradecer imensamente por sua coragem, atributo que falta aos covardes.
Tenho inúmeros parentes na Palestina Ocupada e somente quem vive esta diáspora por dentro pode dimensionar o tamanho da tragédia do povo Palestino.
Um povo de coragem, que resiste sem temer pode, talvez, ser exemplo para os bravateiros de Orlando que entregam seu próprio povo à cova dos leões por puro interesse próprio.
Nunca desistiremos de lutar.
Você quer uma direita que não seja Pró-EUA e pró-Israel?